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Montes Claros terá primeira Casa de Acolhimento para mulheres em situação de rua

Visita dom João Justino
Crédito: Divulgação

Violência doméstica, prostituição, desigualdade, discriminação, falta de oportunidades, ausência nos âmbitos de decisão, presença minoritária nos espaços de poder, silêncio forçado; esses são só alguns dos fatores que ainda cruzam a vida das mulheres de hoje e ocupam as discussões nos diversos setores que trabalham em prol dos direitos humanos no Brasil.

Em Montes Claros, em novembro de 2019, foi realizado o I Seminário da Jornada Mundial dos Pobres que discutiu os direitos fundamentais das pessoas em situação de rua e dos pobres.  O evento encontrou-se com o desejo do Papa Francisco que, no encerramento do ano da misericórdia, em 2016, propôs a Jornada Mundial dos Pobres. A ação é um convite a todas as comunidades cristãs e a todas as pessoas de boa vontade, para que levem esperança e conforto aos excluídos. Uma das ações referendadas no Seminário foi a efetivação da Casa de Acolhimento Rosa Mística, voltada para atender mulheres em situação de rua, visando resgatar a estima e dignidade dessas mulheres.

Tendo a real consciência de que o ser humano não foi criado para morar na rua, voluntários e leigos missionários da Paróquia Rosa Mística ‘arregaçaram as mangas’ e, acreditando que a Igreja tem sido, até este momento, a maior autoridade para estes assuntos destinados à dignidade da pessoa humana, decidiram criar uma Casa de Acolhimento para receberem mulheres em situação de rua, onde, a partir de uma sadia convivência, terão um novo olhar, sendo mães ou não, que reclamam atenção, acolhimento e inspiram dedicação.

REALIDADE SOCIAL: Infelizmente, vivemos um cenário nada promissor em relação à população do povo de rua. A pobreza é um grande problema social no Brasil. “Metade da população brasileira sobrevive com apenas R$ 413,00 reais, ou seja, 104 milhões de pessoas. Apenas 5% da população tem salário acima de 5 mil reais e 95% da população tem salário abaixo de 5 mil. Apenas 10% ganha 3 mil e 90% ganha abaixo de 3 mil reais. Pobre é muita coisa no Brasil”, concluiu o assessor do Ministério Público de Belo Horizonte, convidado especialmente para participar da abertura do seminário. O Dr. José Ourismar, ainda endossou a triste verdade: “ter desigualdade social piora a economia no país, porque diminui os investimentos e afastam os investidores. Com a Pandemia a realidade da pobreza urge e clama por socorro, pois a população de rua aumentou neste período”.

Nesse contexto, deu-se inicio em 2017, o sonho da criação da Casa de Acolhimento Nossa Senhora Rosa Mística que garante, em primeiro lugar, um espaço seguro e a possibilidade de dar novos rumos e vida nova para as suas usuárias. O espaço onde vai funcionar a casa acolherá mulheres com ou sem filhos, em situação de vulnerabilidade social, vindas das mais variadas situações de violência vivenciadas nas ruas. Neste ano de 2020 foi alugada uma casa, reformada e pronta para acolher as mulheres em situação de rua, com o apoio de diversas pessoas e entidades. Vencida a primeira etapa da estruturação, a equipe está em fase de ajustar o modelo da casa e as atividades diárias das mulheres na casa. Em seguida, haverá a triagem para acolher as primeiras moradoras.

METODOLOGIA: A metodologia de trabalho é desenvolvida em consonância com a Política de Assistência Social e estruturada nos procedimentos que envolvem: a acolhida inicial, a escuta qualificada e compreensão das necessidades apresentadas. Em seguida, acontecem os encaminhamentos para a rede socioassistencial conforme as necessidades e particularidades de cada usuária. Dessa forma, o trabalho psicossocial direciona suas ações nos segmentos individuais e nas intervenções grupais, visando à promoção e o fortalecimento do vínculo familiar, o resgate da autoestima, o desenvolvimento da autonomia e a reinserção social, incentivando o exercício da cidadania por meio de atividades sócio educativas.

Em tempo de cuidado e zelo com a vida, tendo em vista a compaixão e a caridade, a Arquidiocese de Montes Claros, para entender melhor esse projeto social do grupo de voluntários, conversou com o presidente co-fundador da Casa de Acolhimento Nossa Senhora Rosa Mística, Gregório Ventura. Segue, abaixo, a entrevista com Ventura.

A INSPIRAÇÃO: “A criação da casa se deu por meio de uma inspiração em um momento profundo de oração. Deus suscitou forte no coração o chamado para uma casa que acolhesse pessoas, e isso se deu no ano de 2015. Porém, foi no retiro do grupo de oração Rosa Mística, em 2017, que outras pessoas sentiram este mesmo chamado e apoiaram a proposta quando partilhada. Acreditamos que Deus mexe conosco quando Ele deseja algo. Então, no dia 06 de maio de 2017 fundamos a Casa de Acolhimento Nossa Senhora Rosa Mística”, relatou Gregório Ventura.

Gregório afirma que “será um local consagrado a Nossa Senhora Rosa Mística, ao seu Imaculado Coração e acolherá os pobres e necessitados, moradores de rua, peregrinos e indigentes e será como o coração da Mãe, um local onde a própria Nossa Senhora acolheria seus filhos pobres. Será também consagrado ao Coração de Jesus, um lugar de misericórdia e acolhimento. Terá refeitório, dormitórios, orientação psicológica, sala de acolhimento e escuta, além do espaço de oração. Verdadeiramente é uma casa de Acolhimento para levar esperança e transformar a vida destas mulheres expostas à violência e ao sofrimento”.

Montes Claros é considerada a 8ª maior cidade do Estado de Minas, com população de 409 341 habitantes, de acordo com o último censo do IBGE datado de 2019. Nenhuma casa de acolhimento para mulheres em situação de rua existe no município com este perfil proposto pelos voluntários, orientados por Ventura.

A Associação é sem fins lucrativos e conta com o apoio de diversos voluntários, empresas parceiras e apoiadores, que contribuem com sua dedicação e com recursos para sustentar a obra. Seus participantes são membros da nossa igreja que voluntariamente querem abraçar a causa. É importante destacar que o pároco da paróquia Rosa Mística tem a função permanente dentro do Conselho, como diretor espiritual. “Encontramos no padre Alessandro Heleno uma fonte de sabedoria que nos indica, por meio da orientação espiritual, quais os passos seguir”, relata Gregorio. A paróquia Rosa Mística, de onde nasceu a obra, abraça o projeto com apoio da Arquidiocese por meio do nosso arcebispo Dom João Justino e das pastorais sociais.

O CAMINHO SE FAZ NO CAMINHAR: “Começamos a procurar uma casa e os meses se passaram. Visitas e reuniões marcaram o processo longo de um caminho de aprendizado. Começamos a entender melhor a situação do povo de rua. Fizemos viagens até a capital mineira para conhecer outros projetos parecidos. As visitas ao povo de situação de rua se tornaram frequentes nas noites montesclarenses ao lado dos irmãos da Pastoral de Rua. Na pandemia enfrentamos uma situação de abandono do povo na rua, inclusive com relação a alimentação, e juntamente com a Pastoral de Rua e demais pastorais sociais, atuamos durante cerca de 75 dias indo diariamente levar alimentação nos diversos pontos onde se encontra a população de rua, além de levar agasalhos para o frio e outros materiais. Assim, se foi entendendo o comportamento das pessoas em situação de rua. Para servir é fundamental entender e compreender profundamente suas necessidades”, apontou Ventura.

O PROJETO: Feliz da vida, conta Gregório que ao tomar conhecimento sobre o recurso do FNS (Fundo Nacional de Solidariedade), a equipe apresentou um projeto ‘em cima da hora’ e para a surpresa de todos, foram contemplados. O recurso proporcionou a realização do I Seminário das Pessoas em Situação de Rua e cobriu os custos para a organização na compra de vários móveis e equipamentos para a Casa de Acolhimento Nossa Senhora Rosa Mística. “Para a estruturação da casa que alugamos, recebemos muitas doações de material, de voluntários para pintura, de apoio financeiro, tanto de pessoas físicas, como empresas e entidades”.

O SEMINÁRIO: “Entendemos que a realização do Seminário foi a confirmação de que estamos no caminho certo. Todos nós, membros da diretoria e do conselho da Casa de Acolhida Nossa Senhora Rosa Mística tivemos o privilégio de participar como autores, de fato, compromissados com o bem comum e o bem da coletividade”. O evento se deu também pela proximidade do Dia Mundial dos Pobres, a pedido do Papa Francisco e junto com a Arquidiocese de Montes Claros, por meio das pastorais sociais. “Promovemos o Workshop, roda de conversa, debates e realizamos atividades recreativas que, além de dar destaque especial à essa fatia excluída da sociedade, pudemos, por meio da imprensa secular e religiosa, mostrar que é possível fazer quando se tem comunhão”.

O RETORNO: Desse seminário, saiu um importante documento que foi encaminhado à sociedade civil e à toda a Igreja com uma série de propostas para melhorar a vida e as condições das pessoas em situação de rua em nossa cidade. “Um pouco antes do seminário, depois de compreender a realidade e avaliar as situações, decidimos, com a inspiração de Deus, montar uma casa para mulheres em situação de rua. É uma obra de amor e caridade, nascida pela inspiração do Espírito Santo que deseja ser um sinal do Reino de Deus no meio daqueles que mais necessitam. Continuamos buscando apoio de empresários, parceiros, profissionais e voluntários que possam contribuir para que essas mulheres em situação de rua possam ter de volta a dignidade”.

CARACTERÍSTICA DA CASA: É uma casa que acolherá mulheres em situação de rua que passarão por um período médio de até 1 ano e meio. As mulheres beneficiadas do serviço serão encaminhadas por meio das entidades que já atuam na abordagem e assistência a população em situação de rua, tais como Pastoral de Rua, Consultório na Rua, Centro POP, equipe de abordagem da Prefeitura, etc.

A TRIAGEM:  A triagem deverá considerar que não é “uma casa de passagem diária” e sim, um modelo de acolhimento que visa resgatar a dignidade da pessoa humana. A mulher que desejar morar na casa deve ser conscientizada dos objetivos e normas, tendo uma decisão livre e consciente dos esforços exigidos para tal. Obviamente, será incentivada e motivada neste processo e acompanhada antes, durante e depois. O processo de moradia, como já citado acima, terá o período em torno de 1 ano e meio. Em seguida, no pós-acompanhamento, ela terá uma equipe que a visitará durante 6 (seis) meses. Durante o processo, estas mulheres serão acompanhadas por técnicos de referência e será montado um projeto de vida durante o período que passará pela casa. Haverá atividades e um cronograma diário que contará com apoio de voluntários, além dos acompanhamentos de assistente social, psicólogos e outros profissionais.

AS REFEIÇÕES: As refeições serão completas, como café da manhã, lanche matinal, almoço, lanche vespertino e jantar.

ABERTURA OFICIAL DA CASA: Em setembro, será contratada a equipe de colaboradores que serão da Comunidade Filhos de Maria. E no dia 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis (baluarte da obra), será realizada a abertura oficial da casa, com a celebração de uma missa, com a possibilidade da entrada das primeiras moradoras. Ainda durante a entrevista, Ventura salientou:

Como estão sendo as parcerias? “Serão feitas com as entidades que tenham serviços de apoio psicológico para que possam atender e acompanhar as moradoras da casa. Haverá, também, um serviço de assistência social. A Casa Mãe da Misericórdia, da Comunidade Filhos de Maria, estará contribuindo com seus serviços de apoio a obra. Estamos buscando parcerias com as universidades, onde poderão ser oferecidos serviços odontológicos, de enfermagem, jurídico, de alfabetização, entre outros, conforme a necessidade. Está sendo providenciado um Termo de Fomento que será celebrado com a Prefeitura Municipal de Montes Claros, para apoio dos custos da casa. Estamos abertos e precisando de voluntários para a obra. A casa é localizada na Rua Santa Helena, 77 – Bairro Roxo Verde. As pessoas podem ser membros contribuindo com um valor mensal. Basta preencher nossa ficha de membro efetivo. As empresas podem apoiar como membros como ‘Empresas amigas Rosa Mística’ também contribuindo com um valor mensal”, salienta Ventura.

Para preencher o tempo das mulheres na casa, está sendo pensada alguma atividade educativa? “Sim.  Inicialmente serão oferecidos cursos diversos. No segundo momento buscaremos oferecer outras atividades que possam ajudá-las no seu desenvolvimento pessoal e profissional”.

Gregório afirmou ainda que a casa terá uma coordenadora com perfil de acolhimento e firmeza nas relações. Ela deverá acompanhar todo o processo de triagem e acolhimento. A casa terá 2 técnicos de referência. O objetivo é o técnico de referência estar ligado a uma pessoa específica acompanhando seu desenvolvimento. Para cada mulher acompanhada na casa, haverá um projeto terapêutico singular, sendo acompanhado e revisto trimestralmente para monitorar o que pode ser melhorado. É sem dúvida um projeto ousado e desafiador.

Neste sábado, dia 22 de agosto, a Casa de Acolhimento Rosa Mística recebeu a visita do arcebispo dom João Justino, do orientador da obra e pároco Padre Alessandro e da Conselheira da Paróquia Rosa Mística Gracyelle Bicalho, onde toda a estrutura foi checada e recebeu o apoio e a aprovação de que o projeto está pronto para cumprir sua missão de ser sinal de amor e acolher a presença de Cristo ao acolher as mulheres em situação de rua. Assim, o projeto irá servir com amor, e depois de muito se preparar, chegou a hora de abrir a casa para as mulheres em situação de rua. O amor move este projeto, esta é a certeza de nossa missão.

acolhimento mulheres

Viviane Carvalho


23 de agosto de 2020


Arquidiocese de Montes Claros


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